IntroduçãoDespertar o interesse do aluno para o aprendizado de química no ensino médio vem sendo um dos desafios encontrados pelos professores em sala de aula. Entretanto o não interesse pela química pode estar relacionado à forma como essa ciência vem sendo tratada na maioria das escolas: de forma estanque, desestimulante e descontextualizada (CHASSOT, 2003)
Desta forma verifica-se a necessidade de utilização de formas alternativas relacionadas ao ensino de química, que tenham como objetivo despertar o interesse do aluno por essa ciência, bem como torná-la mais significativa para a vivência do estudante.
O jogo vem sendo uma alternativa lúdica para dar a química a nova “roupagem” que ela precisa, já que o uso de atividades lúdicas na escola favorece o aprendizado pelo erro, e estimula a exploração e resolução de problemas (KISHIMOTO,1996). Dentro da área de ludicidade podemos dar destaque aos jogos teatrais, já que estes trabalham com o potencial interpretativo que todas as pessoas possuem, além de que, com estes jogos, as pessoas aprendem a partir da experiência, envolvendo-se em todos os níveis: intelectual, físico e intuitivo (BOAL, 2005)
Para Celva e Bougard (2006), citado por Batista e colaboradores (2009), o jogo teatral pode desempenhar um papel poderoso no processo de ensino e aprendizagem. O teatro permite que os jovens encontrem o seu lugar num projeto, que se sintam compreendidos e reconhecidos, independentemente do seu percurso escolar. Mas tem também outra faceta: ensina a viver e a trabalhar em conjunto com o seu semelhante, a respeitar os outros.
O jogo teatral traz em si mesmo algumas características que são comuns a todos os jogos. Huizinga (1980) apresenta como primeira característica do jogo o fato dele ser livre, de ser ele próprio liberdade. Do ponto de vista educacional o aluno deve aceitar a idéia que foi proposta pelo professor, caso contrário deixa de ser jogo podendo ser no máximo uma imitação forçada(HUIZINGA, 1980) . O primeiro passo para jogar é sentir liberdade pessoal. Antes e durante o jogo, devemos estar livres. É necessário ser parte do mundo que nos circunda e torná-lo real tocando, vendo, sentindo o seu sabor, e o seu aroma [...]. A liberdade pessoal [...] leva- nos a experimentar e adquirir autoconsciência (auto-identidade) e auto-expressão (SPOLIN, 1998)
A segunda característica apontada por Huizinga (1980) para o jogo é que este não é vida real, pelo contrário, trata-se de uma evasão da vida real, uma ilusão (palavra que significa literalmente em jogo). O fato do jogo permitir essa evasão da vida real permite que na escola o aluno não tenha medo de se expor e nem medo de errar (KOUDELA, 2004), isto contribui para um criar um ambiente adequado de aprendizagem na sala de aula.
A terceira característica importante é que todo jogo tem suas regras (HUIZINGA, 1980) são estas que dizem o que “vale” dentro do mundo da ilusão. Mas se avaliarmos a primeira e a terceira característica elas parecem antagônicas, como pode o jogador ser livre e ao mesmo tempo ter que respeitar regras? Quem consegue responder essa questão é Viola Spolin (1998) quando diz que:
... O jogador é livre para alcançar seu objetivo da maneira que escolher. Desde que obedeça as regras do jogo, ele pode balançar ficar de ponta a cabeça e até voar. ( SPOLIN,1998)
É essa liberdade dentro de regras que permite que o jogo aconteça, estimule a criatividade, e ensine à criança a respeitar limites, já que a resolução das situações do jogo só pode acontecer se as regras forem respeitadas.
Finalmente, como última característica, temos que todo jogo acontece em um determinado tempo (o jogo começa e acaba) e espaço limitado (um tabuleiro, um campo de futebol, uma página na internet ou uma sala de aula).
O jogo inicia-se e, em determinado momento, “acabou”. Joga-se até que se chegue a um certo fim [...]. O jogo acaba: O apito do árbrito quebra o feitiço e a vida real recomeça. (HUIZINGA, 1980
Além das características intrínsecas, o jogo teatral também tem suas peculiaridades. A prática dos jogos teatrais inclui um acordo grupal entre os participantes, para tal o grupo se divide entre atores (participantes da cena) e platéia (observadores). A estrutura do jogo é geralmente determinada pelos seguintes aspectos: onde (ambiente no qual se passa a ação), quem (os personagens) e o quê ou como (ações dos personagens) (NEVES; SANTIAGO, 2009).
Neves e Santiago (2009) apontam que outra característica dos jogos teatrais é que estes se desenvolvem na ação improvisada e os papéis de cada jogador não são conhecidos a priori.
Os jogos teatrais permitem o desenvolvimento de habilidades corporais favorecendo a consciência do próprio corpo, concentração e observação (NEVES; SANTIAGO,2009) habilidades essas importantes para o desenvolvimento de competências e habilidades dos estudantes
Em Kishimoto (2002) encontra-se um texto de Maria Nazaré Amaral no qual ela mostra como Dewey defende a aplicação dos jogos teatrais na educação:
(...) as possibilidades oferecidas pelos jogos ou representações teatrais são infindáveis, pois para o autor (Dewey), é sempre possível encontrar um assunto que oferecerá as crianças oportunidade de desenvolver muito melhor o aprendizado da leitura, escrita, História, Literatura, Geografia do que através da rotina dos livros didáticos. Este é simplesmente um outro modo de dizer que “learning by doing” é um modo melhor de aprender, do que apenas ouvindo, uma vez que a criança reconstrói mental e fisicamente experiências que se revelaram importantes para a humanidade e desenvolve, além disso, padrões mais eficientes de julgamento, comparação e crença. (DEWEY,1961 apud KISHIMOTO,2002)
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Dewey aponta as vantagens do uso dos jogos teatrais para ciências humanas, acredito que essas vantagens podem se estender para o ensino de ciências exatas, em especial a química, uma vez que aprender fazendo (experimentando) se constitui uma forma importante de se aprender qualquer ciência.
No âmbito dos jogos teatrais podemos dar destaque a uma autora que trabalha com um tipo específico de jogo teatral, as chamadas Improvisações teatrais, por sua metodologia de trabalho ser bem detalhada e de fácil aplicação ela foi adaptada para o ensino de química. Para que essa adaptação fique clara faz-se necessário então conhecer, primeiramente, como essa autora trabalha.
Viola Spolin e as Improvisações TeatraisA metodologia de Viola Spolin (1998) visa a solução de um problema proposto pelo professor através de improvisações teatrais (cenas idealizadas e apresentadas em poucos minutos) .
Viola Spoin (1998) justifica que pela técnica de solução de problemas o professor consegue avaliar melhor o aluno, já que só precisa verificar se o problema foi ou não resolvido na cena improvisada.
A técnica de solução de problemas usada nas oficinas de trabalho dá um foco objetivo mútuo ao professor e ao aluno. Em palavras simples, isto significa dar problemas para solucionar problemas. Ela elimina a necessidade de o professor analisar, intelectualizar, dissecar o trabalho de um aluno com critérios pessoais. Isto elimina a necessidade de o aluno ter que passar pelo professor, e o professor ter que passar pelo aluno para aprender. Ela proporciona a ambos o contato direto com o material, desse modo desenvolvendo o relacionamento ao invés da dependência entre os dois. Ela torna a experiência possível e suaviza para que o caminho para que pessoas de formação diferentes trabalhem juntas. (SPOLIN,1998)
Para que a metodologia de resolução de problemas fique bem clara para os alunos e professores Viola Spolin (1998) introduz um termo chamado Foco ou Ponto de Concentração que nada mais é que a idéia que deve ser trabalhada e transmitida para a platéia durante a improvisação (ROQUE, 2007).
Neste caso o Foco age como uma regra dentro do qual o jogador deve trabalhar (Spolin,1998), ele pode encenar o que ele quiser desde de que a idéia solicitada pelo professor seja transmitida para a platéia.
As improvisações na sala de aula podem ser feitas em grupo ou individualmente e deve haver sempre a alternância entre atores (jogadores) e platéia (observadores).
Segundo Spolin(1998) nesta metodologia o professor tem o papel de apresentar o problema de atuação de uma forma simples e rápida, em alguns casos pode-se dar um exemplo, entretanto o professor não deve dizer como o problema deve ser resolvido, o como deve surgir das relações entre os jogadores e do modo que estes se relacionam com a situação proposta.
A avaliação das improvisações é feita pela platéia e pelo professor, neste caso ambos assumem um papel ativo e devem observar atentamente a cena em função do Foco (KOUDELA, 2004). É importante que esta avaliação seja objetiva e em função do Ponto de Concentração, sendo assim, não se trata de dizer se a cena foi boa ou ruim e sim se a idéia foi ou não transmitida. A avaliação deve girar em torno da solução de um problema de atuação e não do desempenho de uma cena. (KOUDELA, 2004).
Química Entra em Cena: Adaptando o Trabalho de Viola Spolin.Antes de entrar propriamente nas adaptações da metodologia é conveniente classificar as improvisações teatrais para o ensino de química em dois grupos:
a) Improvisações Pictóricas: Neste caso os alunos fazem a cena, representando, eles próprios, os constituintes da matéria, ou seja, as partículas (átomos, íons e moléculas). Isto pode ser feito, por exemplo, se o professor pedir para os alunos encenarem como se dá a mudança de estado físico no nível atômico.
b) Improvisações Situacionais: Neste tipo de improvisação o professor propõe situações ou problemas do cotidiano que devem ser resolvidos a luz dos conhecimentos químicos do estudante.
No caso das improvisações pictóricas, é claro o uso de analogias nas encenações, entretanto o uso de analogias para o ensino de ciências ainda é questionável (MORTIMER, 2000). Duit (apud MORTIMER, 2000) aponta problemas no uso destas, principalmente porque os estudantes podem se prender a aspectos superficiais que conduzem a generalização de concepções inadequadas.
Claparéde (1950) citado por Mortimer (2000) confirma o que foi dito anteriormente ao afirmar que:
o pensamento por analogia, que supõe a verificação de semelhanças entre objetos ou entre sentimentos por eles suscitados, é a mais primitiva das formas de pensamento; conduz, na maioria dos casos, a erros provenientes de não se perceberem diferenças que seria necessário levar em conta. (CLAPARÈDE,1950 apud MORTIMER, 2000).
Em química, estas improvisações pictóricas podem constituir um obstáculo maior a aprendizagem de conceitos, pois o aluno ao se “colocar no lugar” da partícula dá uma concretude muito grande a algo que ultrapassa a dimensão do observável, ele torna tangível algo que explica a realidade, mas não faz parte dela.
Acredito que o uso de analogia, através das improvisações pictóricas, pouco contribua para o desenvolvimento cognitivo dos alunos e ajude muito pouco na construção de uma visão científica da realidade.
O problema de se usar uma analogia como alternativa a explicitação de idéias prévias, na crença de que esse processo levará à superação de pré-concepções, é que estaremos usando as mesmas armas do inimigo que se quer derrotar. É importante usar armas mais avançadas, que ajudem o aluno a derrotar os obstáculos que impedem a construção de novas idéias e, ao mesmo tempo, sejam úteis em lutas futuras. (MORTIMER, 2000).
Diante do que foi explicitado anteriormente sobre analogias, neste trabalho só serão utilizadas as improvisações situacionais, e é para estas que a metodologia de Viola Spolin (1998) será adaptada. Este tipo de improvisação pode ser usado como recurso didático para avaliação de aprendizagem ou para o levantamento de concepções prévias dos estudantes.
Nas improvisações situacionais para avaliação da aprendizagem, a estrutura da improvisação teatral proposta por Spolin (1998) se mantêm, assim, continuam existindo grupos que se alternam entre jogadores e platéia e tanto o professor como os observadores continuam sendo responsáveis pela avaliação.
O conceito de Foco continua sendo essencialmente a mesmo, idéia a ser transmitida para platéia, entretanto a situação problema agora envolve conhecimentos de química e a linguagem científica deve ser usada nas encenações.
A avaliação continua sendo feita em relação ao foco e não a qualidade da cena, só que desta vez o professor tem mais liberdade para corrigir os conceitos equivocados (e deve fazer isso), e também, deve após as apresentações iniciar uma discussão com o grupo inteiro sobre a apresentação que foi feita. É importante que as discussões depois das apresentações sirvam para que o professor retome alguns pontos do conteúdo que está sendo estudado, que não ficaram claros para os estudantes. O professor perceberá que pontos são esses, ao verificar as dificuldades que os estudantes terão para resolver o problema cênico proposto.
A escolha da situação-problema a ser encenada, também requer cuidado especial ao ser selecionada pelo professor, pois é através dela que o estudante poderá mostrar se aprendeu e se sabe explicar o conhecimento transmitido na sala. A situação problema deve ser desafiadora, mas deve estar dentro da zona de desenvolvimento proximal do aluno (NEVES; SANTIAGO, 2009).
É importante neste tipo de metodologia que o professor trabalhe com grupos pequenos e no momento em que a cena estiver sendo elaborada ele transite entre os grupos vendo a participação de cada aluno na construção da cena e para depois discutir os conceitos que serão apresentados por eles.
É fundamental também que o professor questione os alunos que na cena não trabalharam com o Foco (ficaram apenas compondo a apresentação) e, portanto, desviaram-se da discussão do conteúdo.
No caso das improvisações situacionais serem utilizadas para o levantamento de concepções prévias dos alunos, o professor apenas toma nota do que o grupo apresentou sobre aquele determinado conteúdo. A platéia neste caso fica restrita apenas a avaliar se entendeu a idéia que os alunos transmitiram. É importante que neste momento não haja censura e o professor observe tudo que os alunos apresentaram para que possa usar o que eles sabem no momento que trabalhar o conteúdo. Essa forma de abordagem da a oportunidade de o professor começar a discussão do conteúdo a partir dos conhecimentos dos alunos (ROQUE, 2007).
Vigotsky e o Jogo TeatralPor acreditar que o jogo teatral é uma atividade social e sofre sim influências histórico-culturais, se usará neste trabalho como referencial psicológico de aprendizagem a perspectiva histórico-cultural que surge a partir de estudos realizados pelo soviético Lev Semyonovich Vigotsky (SCALCON, 2002). Neste trabalho não se tem a pretensão de descrever todos os elementos da complexa teoria elaborada por Vigotsky, busca-se apenas destacar alguns aspectos que tem relação com o jogo teatral. Vigotsky estudou as formas mais complexas de consciência, tendo como base o materialismo histórico-dialético. Para Vigotsky os processos psicológicos superiores do homem tem origem cultural, histórica e social (BAQUERO, 1998).
Vigotsky (1926 apud BAQUERO, 1998, p.23) trouxe aspectos dos problemas pedagógicos para dentro das questões psicológicas:
O problema educativo [...] ocupa um lugar central na nova maneira de enfocar a psique do homem. Daí que a nova psicologia seja um fundamento para educação em muito maior medida que era a psicologia tradicional [...] O novo sistema não terá que se esforçar para extrair de suas leis as derivações pedagógicas nem adaptar suas teses à aplicação prática da escola, porque a solução do problema pedagógico está contida em seu próprio núcleo teórico, e a educação é a primeira palavra que menciona. Portanto, a própria relação entre psicologia e pedagogia mudará consideravelmente, sobretudo porque aumentará a importância que cada uma tem para outra e se desenvolverão, portanto, laços e o apoio mútuo entre ambas as ciências.
Considerando esse laço intrínseco entre a pedagogia e a psicologia de Vigotsky, algumas características da sua teoria têm rebatimento direto nas práticas educativas. A característica central que se destaca na teoria de Vygotsky, e que é muito utilizada pela pedagogia é a chamada Zona de Desenvolvimento Proximal ZDP), que é definida como:
a distância entre o nível de desenvolvimento determinado pela capacidade de resolver um problema e o nível de desenvolvimento potencial determinado através da solução de um problema sob a ajuda de um adulto ou em colaboração com outro colega mais capaz ( VIGOTSKY, 1989 apud NÚÑEZ, 2009, p. 30)
Ainda nas palavras de Vigotsky podemos verificar como a ZDP está relacionada com a aprendizagem:
Postulamos que o cria a ZDP é um traço essencial da aprendizagem; quer dizer, a aprendizagem desperta uma série de processos evolutivos internos capazes de operar apenas quando a criança está em interação com as pessoas de seu meio e em cooperação com algum semelhante. (VIGOTSKY, 1988 apud BAQUERO, 1998).
Vigostsky fez estudos a respeito de elementos que podiam mediar o desenvolvimento da criança na educação e atuar na Zona de Desenvolvimento Proximal do estudante, o jogo foi um dos elementos estudados por Vigotsky que segundo ele pode contribuir para o desenvolvimento de funções cognitivas.
No, jogo a criança está sempre mais além do que sua média de idade, mais além do que seu comportamento cotidiano [...] O jogo contém, de uma forma condensada, como se estivesse sob o foco de uma lente poderosa, todas as tendências do desenvolvimento; a criança, no jogo, é como se se esforçasse para realizar um salto acima do nível do seu comportamento habitual. (VIGOTSKY, 1988 apud VEER e VALSINER 2001, p.12)
Apesar de mencionar diversas modalidades de jogos no desenvolvimento da criança, Vigotsky dedica-se mais a contribuição dos jogos teatrais (ou brincadeiras de “faz-de-conta”) para a aprendizagem, pois ele acredita que ao atuar no mundo imaginário onde existe a presença de regras cria-se na criança uma Zona de Desenvolvimento Proximal que contribui para formação de Processos Psicológicos Superiores. (SCALCON, 2002)
Elkonim, em seus estudos sobre jogos, tendo como base as formulações teóricas de Vigotsky, trouxe outro aspecto importante para os jogos teatrais, quando afirma que nestes jogos a interação predominante é a relação homem-homem, ou seja o que importa neste jogo é a relação com outras pessoas.
O fundamento do jogo protagonizado [...] não é o objeto, nem seu uso, nem a mudança de objeto que o homem possa fazer, mas acima de tudo as relações que as pessoas estabelecem mediante suas ações com os objetos, não é a relação homem-objeto mas a relação homem-homem ( ELKONIN, 1980 apud KISHIMOTO, 2002)
Do ponto de vista pedagógico, numa atividade planejada de ensino, onde se usa o trabalho em grupo como recurso pedagógico, essa interação homem-homem é muito importante já que pode gerar aprendizagem, pois os estudantes na sala de aula possuem níveis atuais de desenvolvimento diferentes e é possível que nesta interação de níveis diferentes produza-se desenvolvimento no aluno menos capaz (BAQUERO, 2004). As improvisações teatrais situacionais, foco deste trabalho, utilizam-se de atividades em grupo por acreditar que estas contribuem para a aprendizagem e desenvolvimento cognitivo do aluno.
Ainda como uma das implicações pedagógicas da psicologia histórico- cultural ressalto o destaque que essa teoria dá ao papel do professor no processo de ensino e aprendizagem que nesta perspectiva tem o papel estritamente relacionado ao dispositivo de suporte. Entende-se por suporte “uma interação entre um sujeito especializado, e outro menos especializado, na qual o formato de interação tem por objetivo a apropriação do saber pelo sujeito menos especializado” (BAQUERO, 1998, p. 104)
O professor, que neste caso é o sujeito especializado, é capaz de criar Zonas de Desenvolvimento Proximal no estudante, nesse sentido o docente é capaz fornecer pistas, guiando, persuadindo e corrigindo os pensamentos e estratégias dos alunos. (BAQUERO, 2004)
As discussões que ocorrem depois da apresentação das improvisações teatrais situacionais, quando estas são usadas para avaliação de aprendizagem, permitem que o docente exerça seu papel mediador do conhecimento científico promovendo no educando uma mudança cognitiva. Através dessas discussões o professor pode verificar o nível atual de desenvolvimento do aluno e, além disso, corrigir os pensamentos que não foram apresentados corretamente.
O uso das improvisações teatrais situacionais como instrumento de avaliação de aprendizagem também apresenta outra vantagem, pois ele permite não apenas verificar o nível de desenvolvimento atual do aluno (através das discussões feitas após as apresentações) mas também é capaz de verificar o que o aluno consegue desenvolver em grupo (verificação feita no momento das apresentações das improvisações teatrais). Uma avaliação, que leva em consideração o nível atual do sujeito e suas potencialidades também é defendida por Vigotsky na seguinte metáfora:
[...] um jardineiro que, para definir, todo o estado do jardim, não pode resolver avaliá-lo apenas pelas macieiras que já amadureceram e deram frutos, mas deve considerar também as árvores em maturação, o psicólogo [também o professor] que avalia o estado de desenvolvimento também deve levar em conta não só as funções já maduras mas aquelas em maturação, não só o nível atual mas também a função de desenvolvimento proximal. (VIGOTSKY, 2001 apud GASPARIN, 2007)
Como foi dito anteriormente as improvisações teatrais também podem ser utilizadas para o levantamento de concepções prévias, essa idéia de conhecer o que o aluno sabe também pode ser defendida usando as idéias de Vigotsky:
Em essência a escola nunca começa no vazio. Toda a aprendizagem com que a criança depara na escola sempre tem uma pré- história. [...] a aprendizagem escolar nunca começa no vazio mas sempre se baseia em determinado estágio de desenvolvimento percorrido pela criança... (VIGOTSKY, 2001 apud GASPARIN, 2007, p. 18)
Ouvir os alunos possibilita o professor tornar-se um companheiro, gera confiança e possibilita também que a relação entre educador e educando caminhe no sentido da superação da contradição de concepções que existem entre eles (GASPARIN, 2007). Ouvir o aluno através das improvisações teatrais pode vir a tornar esse processo de aproximação entre educando e educador muito mais prazeroso.
Apesar de acreditar que as improvisações teatrais situacionais contribuam para a aprendizagem de conceitos científicos, acredita-se que a aprendizagem é intrapessoal, pois depende da ação do sujeito sobre o objeto e deste objeto sobre o sujeito. (GASPARIN, 2007). Segundo Vigotsky (1989 apud Gasparin 2007, p.52) ,“os conceitos não-espontâneos não são aprendidos mecanicamente, mas evoluem com ajuda de uma vigorosa atividade mental por parte da própria criança.”
A aprendizagem só é real quando o aluno incorpora o objeto de conhecimento, tomando-o como “seu” e passa a ser capaz de estabelecer nexos e relações com este objeto que agora “possui”.
Em suma, as improvisações teatrais pode ser um aspecto motivador e instigante para que o aluno possa se apropriar dos conhecimentos científicos, entretanto pela aprendizagem se constituir no processo intrapessoal o educando só aprende se de fato quiser aprender, cabendo ao professor o papel de despertar no estudante a necessidade social de se apropriar dos conhecimentos científicos
MetodologiaO trabalho foi realizado com uma turma de 1º ano do turno matutino da escola estadual Manoel Devoto localizada na Rua Osvaldo Cruz, s/n , Bairro Rio Vermelho, Salvador, Bahia. A turma contem 40 alunos mas nos dias da atividade freqüentaram 26 . A atividade foi desenvolvida me 4 aulas de 50 minutos e o tema escolhido para discussão com os alunos foi: “o que é química”. As cadeiras em todas as aulas foram dispostas em círculo para que se pudesse utilizar o espaço da sala .
Neste trabalho utilizaram-se as improvisações teatrais para o levantamento de concepções prévias dos alunos sobre o tema e depois da mediação didática as improvisações foram refeitas buscando verificar se os conceitos novos foram incorporados pelos alunos.
A primeira aula teve como objetivo “acordar o corpo” para prepará-lo para as improvisações. Este processo aconteceu por meio de exercícios de alongamento, andar pela sala de aula (observar o espaço, focar objetos no espaço) e treinar expressões corporais e faciais ( medo, alegria e tristeza). Ainda nesta primeira aula foi discutido com os alunos s proposta das improvisações teatrais destacando os conceitos de Foco, Platéia e como é feita a avaliação das apresentações.
Também nesta 1ª aula trabalhou-se com algumas improvisações teatrais que ainda não tinham relação com o tema químico a ser discutido. O objetivo desta etapa é que os alunos se habituassem à idéia de transmitir um foco para turma, perdessem a vergonha e experimentassem, como se dava na prática, as improvisações teatrais. O Foco escolhido para eles encenarem foi “o que vocês estão comendo” onde eles tiveram que mostrar por meio de gestos que tipo de alimento eles estavam comendo.
A segunda aula foram feitas as improvisações teatrais para o levantamento de concepções prévias, para isso dividiu-se a sala em grupos de no máximo 5 alunos e estes encenaram sobre o que eles achavam que era química.
A 3ª aula fez-se uma exposição participada do que era a ciência química e como esta estava presente no cotidiano dos alunos. Na última aula as improvisações foram refeitas, como uma verificação de aprendizagem e ao fim da aula utilizou-se um questionário para saber o que os alunos acharam da proposta
Resultados e Discussões
O 1º dia de contato com a turma foi um tanto quanto difícil, houve uma resistência enorme por parte dos alunos para levantarem das cadeiras e fazerem os exercícios de alongamento e treinamento de expressões corporais. Mesmo explicando novamente a proposta os alunos recusaram-se inicialmente a participar do jogo teatral. Segundo Soares ( 2004) isto é característica de um processo de adultificação , no qual os adultos ou jovens envolvidos se sentem como crianças ao brincarem, como se não pudessem brincar por terem passado da infância.
Depois de uma grande insistência a maioria dos alunos levantou e fez o alongamento. Por uma das características intrínsecas do jogo, segundo Huizinga (1980) ser a liberdade, nenhum aluno foi obrigado a participar da atividade. No passo seguinte quando eles tiveram que encenar o que estavam comendo, a participação dos alunos foi efetiva e foi possível perceber que eles entenderam bem a metodologia, uma vez que os alunos que estavam encenando procuraram transmitir o foco para a platéia e esta ficou atenta as improvisações dos colegas.
Na aula seguinte, que tinha como objetivo o levantamento de concepções prévias, os alunos mostraram nas improvisações que química para eles estava diretamente ligada ao relacionamento, frases como: “E aí rolou uma química?” “Você e ele tiveram química?” foram muito comuns nas improvisações. Apesar de alguns alunos já terem visto a disciplina química no ano anterior, nenhum deles fez uma relação com algo que tinham apreendido.
Na aula seguinte foi feita uma exposição participada do tema o que é química, e a discussão partiu da concepção que eles tinham apresentado na aula anterior, o envolvimento dos alunos na discussão foi grande e ficou clara a necessidade de se conhecer a zona de desenvolvimento atual do aluno para se conseguir criar a zona de desenvolvimento proximal e levar o aluno ao desenvolvimento.
A aula de avaliação, onde eles tiveram que refazer as improvisações foi bem interessante, os alunos que participaram das improvisações mostraram que tinham entendido que a química é uma ciência que estuda as matérias e situações e foram capazes de colocar esses conceitos em situações do cotidiano que eles mesmos criaram.
As discussões quando as equipes estavam montando a cena também foram bem proveitosas uma vez que os alunos que tinham se apropriado melhor do tema explicavam aos outros alunos o que tinham aprendido. Isto é o que Forman e Cadzen ( 1985 apud BAQUERO, 1998) chama de interações entre pares, onde o mais capaz é capaz de fornecer uma informação que esteja dentro da zona de desenvolvimento do menos capaz, permitindo o desenvolvimento deste.
Por falta de tempo a discussão após a apresentação foram muito curtas e ficou restrito apenas ao professor que concertou alguns conceitos equivocados que apareceram nas improvisações.
Analise dos questionários sobre o que eles acharam da proposta das improvisações teatrais para o ensino de química, também traz alguns aspectos importantes passíveis de análise. O que alguns alunos escreveram pode ser visto a seguir, é importante ressaltar que não havia identificação do questionário e foi solicitado que escrevessem livremente o que acharam da proposta:
A1: “Eu achei legal, é muito massa teatro e química”
A2: “Achei boa, mesmo sem participar, porque nunca vi teatro com química em outra escola ou série”
A3: “É uma ótima forma de aprender química e se divertir”
A4: “Mudou a forma de dar aula, gostei da criatividade de em pouco tempo conseguir fazer uma peça”
A5: “Foi ótimo, eu gostei de ver os outros apresentando. É importante ser platéia
A6: “Eu achei interessante porque nós aprendeu a se comunicar através de gestos e mais importante sempre estava falando de química”
A7: “Eu gostei de me apresentar por que eu aprendi a não ter vergonha”
A8: “Eu gostei, mas não gostei de pagar mico”
A9: “ Eu achei bem legal, bem interessante, não apresentei mas da próxima eu gostaria muito de participar”
A10: “Foi bonzinho. Não gostei que ninguém bateu palma”
Como é possível perceber os alunos gostaram da proposta mesmo os que não participaram. O aluno A5 mostrou que entendeu o papel da platéia, mas usa esse entendimento para justificar sua não participação. As falas de A3 e A4 são muito importantes, pois vai ressaltar uma preocupação fundamental neste trabalho que é equilibrar a função lúdica (aprender teatro, gestos) e a função educativa (conteúdo de química). Segundo Soares (2004) o equilíbrio entre essas duas funções caracteriza o jogo educativo.
A idéia de “pagar mico” apontada por A8 confirma a idéia de adultificação de alguns adolescentes. A vergonha de apresentar diante dos colegas foi um obstáculo interessante que muitos conseguiram superar, como foi apresentado na fala de A7.
A4 também apresenta um ponto importante de se trabalhar com o teatro, que é o desenvolvimento da atividade do aluno, em pouco tempo eles conseguem elaborar uma cena e conseguem colocar o que sabem naquele momento.
A10 aponta uma falha do professor que não incentivou a turma a bater palma, o reconhecimento do trabalho dos alunos motiva-os a participar das atividades.
ConclusãoO trabalho aqui apresentado teve como objetivo mostrar como é possível relacionar ciência e arte na sala de aula. Muitas dificuldades foram encontradas entre elas: tempo adequado para realização das atividades, resistência dos alunos por estarem acostumados a atividades passivas e a própria estrutura da escola. Entretanto entendemos que apesar das dificuldades o uso das improvisações teatrais como recurso metodológico é possível, e traz resultados satisfatórios. Esperamos que este trabalho ofereça ao professor mais um recurso metodológico que possa auxiliá-lo no sua prática pedagógica na sala de aula.
Não se trata de um tema esgotado, pois ainda há muito a fazer para que a relação entre arte, ciência e ludicidade seja feita de forma adequada para contribuir para aprendizagem do estudante.
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